O primeiro relato de pai que recebi é um presentão daqueles. Esse pai, querido amigo meu, David Mattos, ativista, muito generoso e com uma linda história de vida paterna, nos brinda com suas observações acerca de ser pai de uma menina , de como quer criá-la, de que forma deseja instruí-la e prepará-la para o mundo. Compartilhamos da mesma linha de pensamento e este blog pretende estimular você ao ponto de vista por ele tão bem colocado no relato. Quem sabe para você essas palavras, essa forma de pensar em educar seja uma transmutação. Precisamos modificar nossa forma de criar nossos filhos e filhas para assim não perpetuarmos relações de desigualdade e sofrimento entre homens e mulheres. E o amor é capaz de modificar tudo. Deixo vocês com as palavras dele, respire fundo....
Fornecedor. Ou, essa vai dar trabalho.
Ela é tudo pra mim.
Absolutamente tudo.
É por ela que eu sorrio, que eu
tento fazer cada dia que começa melhor do que o anterior, é por ela que eu
tento ser o melhor profissional, o melhor marido, o melhor amigo, o melhor
parceiro, o melhor companheiro, tudo para que eu consiga chegar perto de, ao
menos para ela, eu ser o melhor pai do mundo.
Mas tem uma coisa interessante
quando se é homem e de repente comunicamos que seremos pais. Primeiro, lá no
comecinho, aquelas tantas congratulações pela paternidade. E então, nossa
sociedade machista começa com algumas observações bastante particulares para
nós homens. Especialmente de homens para homens. A maior parte dos conhecidos
homens, sabe-se lá por que, te desejam que seja um menino.
Minha companheira até hoje guarda
uma magoazinha de um conhecido que certa vez, quando ainda não sabíamos o sexo
do nosso bebê, disse “o David merece ser pai de um filho homem”.
Não falou por mal, mas pegou mal.
Poucas semanas depois que a
gravidez é anunciada e já é possível saber o sexo da criança, ao descobrirmos
que é uma menina que estamos esperando, a maior parte dos conhecidos brada em
tom sarcástico: “ah, virou fornecedor, hein?!”.
Quando eu e Priscilla nos
descobrimos grávidos, sinceramente, não tínhamos a menor preferência pelo sexo
da criança. Mas de algum modo eu sabia, e disse desde o primeiro minuto, “Será
uma menina!”. A família toda apostou num menino, mas eu sabia, não sei como,
mas sabia, era uma menina.
E foi.
E é!
E foi e é a maior alegria que eu
já senti e sinto em cada microlhésimo (se é que existe essa unidade de medida)
em toda a minha vida. É meu orgulho, é minha inspiração, é a razão pela qual eu
nasci.
E minha menina está crescendo,
atualmente com 8, quase 9 meses. Linda. Sei que sou suspeito para falar, mas
sim, ela é linda!
E quis o destino que mesmo sem eu
ou minha esposa termos olhos azuis, mesmo que ambos tenhamos cabelos castanhos
escuros, nossa menina nasceu loirinha de olhos exageradamente azuis.
Resultado? Além de escutar que
virei fornecedor, escuto também a frase: “essa aí vai dar trabalho, hein?!”
E eu, que já não tolerava
manifestações machistas, fiquei ainda mais incomodado com o modo como o mundo
vê, recebe e trata as mulheres.
Primeiro, não virei fornecedor,
pois minha filha não é um produto. Ela é um ser-humano, e isso não se define
pelo sexo.
Segundo, ela não vai me dar
trabalho por ser loira de olhos azuis, muito menos por ser mulher.
Pensar nas experiências
emocionais, amorosas, afetivas e sexuais da minha filha, definitivamente não
afeta em absolutamente nada o meu sono.
Eu quero muito que ela as tenha. Tantas
quantas forem necessárias para que ela se descubra, para que ela se conheça,
para que ela conheça as pessoas ao seu redor.
Eu seria muito medíocre, muito
pequeno se desejasse para a minha filha menos do que eu tive.
A mim, como pai, cabe apenas o papel
de instruir e apoiar.
Instruí-la a respeito das
escolhas, que nunca serão minhas, serão sempre única e exclusivamente dela, mas
que ela saiba fazê-las de um modo que se machuque pouco. Pois machucados fazem
parte da caminhada de todos nós. Todos tropeçamos, todos caímos e todos
levantamos. Eu quero apenas ser a mão que ela confiará pegar para se levantar.
Apoiar para que ela não se sinta
desacreditada da vida, das pessoas e, principalmente, do amor. Ela vai sofrer,
com certeza. Tanto quanto eu, tu, ele, nós, vós, eles, todos sofremos em algum
momento. Ela vai ter amores eternos que terminarão abruptamente. Ela terá
amizades despretensiosas que talvez se tornem amores sinceros. Ela terá amores
despretensiosos que se tornarão amizades sinceras.
Não me tira o sono saber que um
dia a minha menina que hoje tem pouco mais de 8 meses estará transando com um
cara que eu não conheço ainda. Eu só espero que ele a respeite, que tudo o que
tiverem vontade de fazer seja consensual, e que ele a faça gozar.
Talvez você ache isso forte.
Talvez você ache isso desleixo de um pai.
Mas sim, eu quero que minha filha
goze e goze muito. Por que gozar é bom, eu sei, você sabe, e se não sabe,
talvez devesse reconsiderar seu parceiro(a). E por ser bom, eu desejo para
minha filha.
Eu desejo apenas que seus futuros
parceiros, sejam eles homens ou mulheres, a respeitem. Desejo que seus futuros
parceiros não sejam possessivos, ciumentos ou agressivos. Ela não merece.
Meu papel para instruir minha
filha nesse sentido, é respeitando minha companheira Priscilla, mãe da minha
pequena Clara. É fazer com que ela tenha em casa o exemplo de um relacionamento
sadio, onde a soma de duas pessoas não anule suas individualidades, e que o
respeito o carinho e o amor pautem todo o cotidiano.
E não me preocupa quantos
parceiros ela virá a ter. Do mesmo modo que para mim não fez a menor diferença
quantos parceiros teve a minha esposa antes de mim. Desde que as experiências
que ela vivenciar decorram das escolhas da minha filha, ELA decide. Ela terá
sempre o meu apoio.
Se ela precisar se casar 10, 20,
30 vezes para descobrir o seu verdadeiro amor, por 10, 20, 30 ou quantas vezes
forem, eu estarei lá ao lado dela. Se ela desejar que em cada uma destas tantas
vezes eu entre com ela na cerimônia de celebração da união, eu entrarei em cada
uma delas sorrindo. Só não garanto que não chorarei, pois quando ela é o
centro, a emoção em mim transborda.
E se ela algum dia descobrir que
sua felicidade é viver sozinha, também terá o meu apoio. Pois a mim não cabe
decidir por ela o que é felicidade. A felicidade é a alma gêmea de cada um de
nós, e apenas cada um de nós poderá reconhecê-la na sua exata forma, seja ela
qual for, seja ela com quem for.
Não, minha filha não me dará
trabalho por suas escolhas amorosas. E por mais que eu saiba que vá ficar
revoltado e puto da cara quando encontrá-la chorando por seja lá quem for que
tiver magoado seus sentimentos, só espero que ela reconheça no meu abraço o
conforto que aquele momento pedir.
Viva, Clarinha. Viva todas as
experiências possíveis. A vida é linda e muito prazerosa, desfrute dos seus
prazeres. Com responsabilidade, lógico, mas não permita jamais que alguém pode
suas vontades, seus desejos pelo fato de teres nascido mulher.
Um dia ainda sei que
conversaremos sobre isso que estou escrevendo, por enquanto brinque com sua
bola, com seus brinquedos, com nossos gatinhos e cachorro, se divirta. E que
cada fase da sua vida te traga no rosto o mesmo sorriso que essa tua rotina de
bebê hoje te traz.
E quando precisar, pode vir aqui
com o papai, meu colinho sempre estará pronto pra te receber!
Quer saber mais sobre a história desse pai? Clique aqui relato dele e de outros pais divulgados no site "Cientista que virou mãe", da maravilhosa Lígia Moreiras Sena. Quer conhecer o blog de David Mattos? Clique aqui.
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